(*) Vander Todorow
Murilo Mendes
A obra poética de Aristides Theodoro apresenta um núcleo convergente de temas que lembram a tradição escatológica do ocidente. É uma obra que recupera antropofagicamente o limite intertextual da produção artística nacional (Mário de Andrade, Murilo Mendes, Adão Ventura) e estrangeira (Máximo Gorki, Vladimir Maiakovski e Langston Hugues) de forma a não permitir uma leitura dissociada das influências mais amplas da História. O autor deseja, na verdade, trocar os fundamentos da criação do mito. E o faz sem pudor de absorver as descobertas estilísticas do movimento modernista em sua versão inicial. Daí a surpreendente abertura para a problemática homem versus mundo resolvida através da reativação da palavra revolucionária. O que se verifica na proposta de Aristides Theodoro não é o equilíbrio temático, mas a busca fragmentária duma tradição que vive sob o domínio do escatológico. O poeta inverte a perspectiva antropofágica de Oswald de Andrade detendo-se na exploração dos resultados duma inconclusa Revolução Caraíba. Embora o poeta deseje a resolução das contradições básicas da dimensão existencial do homem, de sentimento de inadequação ao espaço real ou imaginário, de estar sujeito às modificações do tempo e sob o domínio alienante da ideologia do poder, sabe-se também que o universo poético é apenas uma lembrança de seu desejo. O poema, embora reflita o clima de fim do humanismo e da constatação de suas chagas presentes (racismo) e futuras (com o mito de Édipo, transposto para o universo lírico do mundo pós-atômico no poema Eternidade) abrindo as portas duma nova consciência do real, não nos propõe a possibilidade concreta de efetivá-lo. Ao poema, toda transcendência não passa duma nova ordem circunscrita ao âmbito da palavra. Se a palavra, para Aristides Theodoro, é um instrumento pelo qual são julgados os bons (o povo) e os maus (os corruptos, os feitores), é também para julgar sua própria impotência. Neste caso, a palavra poética também é lembrança duma palavra maior: a do Verbo. O que coloca Aristides Theodoro entre os legítimos herdeiros da poesia de tradição hebraico-cristã, bem como arauto cujas trombetas deitam por terra a Jericó construída pela modernidade.
(*) Vander Todorow é poeta, ensaísta e professor
A Voz de Mauá, 10//09/98
Sessenta Anos
O contista Aristides Theodoro, que mora em Mauá há mais de quarenta anos, completará amanhã, 27 de novembro, sessenta anos bem vividos. Pois como costuma dizer, a vida começa aos sessenta. Theodoro é um otimista incorrigível e está preparando para o ano novo o seu 6º livro, intitulado “O Homem que liquidou um Trovão a Tiro de Clavinote e Outras Estórias de Curiapeba”. Contos que originalmente foram publicados neste jornal, do qual é colaborador assíduo.
A Voz de Mauá
Da Ciência ao Realismo Fantástico
Por fim, releio Aristides Theodoro, nas comentadas “Estórias de Curiapeba”, Edições Alpharrabio. Como o título sugere e o mesmo não faz por onde esconder, trata-se de estórias, causos, ditos e chistes apanhados diretamente da boca do povo e sabiamente transformados em conto pelo jagunço curiapebano, tal como o grande historiador Câmara Cascudo, que colhia o material para os seus livros no universo do folclore e da cultura popular. Nessas estórias, somente o “Casa Assombrada” foge um pouco ao estilo dos demais causos, neste, o contador de estórias coloca uma maior dose de ficção, utilizando-se do macabro e do realismo fantástico, lembrando ora Edgar Allan Poe, ora o Nobel de “Cem Anos de Solidão”. Acredito ainda que Aristides Theodoro chama a atenção do leitor, na questão dos nomes, já por mim observada num prefácio para um dos seus primeiros livros - “Sertão Sinistro” (ainda inédito), publicado na Voz de Mauá, em 02/10/86, dizendo o seguinte: “... A criatividade na elaboração de nomes é característica principal desse livro de Aristides Theodoro. Começando por Curiapeba, cidade imaginária, com mapa e tudo, localizada no coração da Bahia, próxima à região de Canudos, a qual oferece subsídio à criação de personagens, à época em que os fatos se desenrolam”. Nesse sentido, segue as pegadas de William Faulkner, que inventou o famoso condado de Yoknapatawpha e Gabriel Garcia Marques criador da aldeia de Macondo, ambos servindo de palco para as suas criaturas. Passando pelo arruaceiro Marroás, João Nevoeiro e seu compadre Coló; somando-se Pé de Lebre, a Nêga Valei-me, Resmulungo, Cunegundes, o soldado Faconeris, Dromedário Carmelinho e tantos outros personagens do mesmo quilate, criados pelo nosso baianíssimo Aristides Theodoro.
Iracema M. Régis
Jornal da Manhã, 14/11/96
Tribuna Popular
Santo André, novembro de 1997
Aristides Theodoro, de Mauá, fundador do Colégio Brasileiro de Poetas, no final da década de 60, fala de suas experiência com a entidade. Ela reuniu um grupo de poetas da cidade, o primeiro do gênero a ser formado na região. O Colégio de Poetas permaneceu em atividade por quase 20 anos, período em que produziu três coletâneas.
Diário do Grande ABC, 28/06/94
Político, porque gente; antipartidário por descrer das verdades dos reformadores do mundo; atuante no meio em que se engaja.
Simples, direto, sem adorno ao imprimir no papel a sua fala, como quem conversa.
Austero na autocrítica, quando expõe suas fragilidades; objetivo, quando reconhece seus méritos, Pródigo, rude e severo, despido de máscaras, na consideração de outrem. Admirado por uns, contestado por outros, mal-entendido, às vezes, noutras considerado; eis esculpido em palavras o retrato do indivíduo, do cidadão, do escritor, do amigo Aristides Theodoro, menino de ontem que, emerso de tantas carências, erigiu-se, produto de uma tenacidade jagunça ainda viva, na figura humana que há de ser conhecida e respeitada.
Escritora e professora da Língua Portuguesa
A Voz de Mauá, 10/05/2001
Nunca pergunte nome de rua
para Aristides Theodoro,
conhecido pelos destemidos
como Moita Brava.
Você corre o risco de ter o cabra
atracado ao gasganete.
Moita Brava não entende de ruas.
Aliás, se ele for com sua fachada,
mesmo ensinando,
você não chegará a lugar algum
pois sua explicação geográfica
é mais enroscada que pentelho de negra.
O mundo de Moita Brava
não tem nome de rua...
Só tem livros, pinturas, mentiras e safadezas.
Mas se o distinto cavalheiro
encostar o umbigo no sebo por ele administrado
ali na Praça da República – de bunda para
a Avenida Ipiranga e para a Rua Basílio da Gama –
e perguntar sobre literatura negra, cangaço,
Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Tobias Barreto
& outros que tais,
ele vai despejar um mundéu de sabença
em vosso aparelho escutador,
coisa de fazer catedrático se benzer.
O sujeito é um cangaceiro –
razão do glorioso apelido –
o seu couto são as palavras...
Para informar nome de rua
agregou um branquelo metido a escritor,
que atende pelo nome de Arturo Bandini.
Para arrematar,
a dolorida revelação:
Não obstante o narrado, e,
apesar de nascido na ordeira e progressista
UTINGA,
no coração da quão dessemelhante Bahia,
o cabra é um lapidado CANALHA:
Canalha de índole,
canalha de estirpe...
um canalha de pedigree, eu diria.
Mas, sem dúvida, um canalha...
Por tudo isto, irmão leitor,
se habitar no seu coração um tico de tino,
Jamais pergunte a este cujo
um nome de rua sequer...
Nem mesmo em caso de morte.
(*) Gerebaldo Feitosa: poeta, escritor, pesquisador de inutilidades, crítico de arte, teatro, cinema, - crítico de um tudo, amigo de Mad Jack... caminhando numa manhã besta de sol, pela Avenida Ipiranga.
Sessenta anos de Aristides Theodoro
O Velho Jagunço
Neste mês de novembro, exatamente no dia 27, o escritor Aristides Theodoro, autodidata, mais conhecido entre os amigos (enchedores de saco, contadores de mentira, que azucrinam todo dia) pela alcunha de “O valho Jagunço”, “O Canalha” ou o “Livreiro Audaz”, completa sessenta anos de jornada, quarenta e tantos dos quais dedicados à literatura. Começando a resenhar livros, ainda rapazote, para “A Gazeta de Santo André”; nessa época já caraminholava poesias e contos ao voltar do serviço a pé, sempre acompanhado dos inseparáveis amigos Moysés Amaro Dalva e Castelo Hanssen. Reside em Mauá há muito tempo, de onde só sairá, segundo suas palavras, para o cemitério.
Chamado de “Velho Jagunço”, pela rudeza com que se expressa, ao dar mil e uma informações por dia (na Praça da República, onde trabalha com livros), sem ser pago para isso e sem ouvir aquelas palavras mágicas, que abrem qualquer porta como: com licença, por favor, obrigado, desculpe interromper, etc. Carinhosamente, de “Canalha”, por simples brincadeira, mas tanto esse apelido, quanto o do “Velho Jagunço” estão muito bem retratados no poema “Não Pergunte Nome de Rua Para o Jagunço Moita Brava”, do inveterado poeta sarrista, João Emílio Krauser, vulgo Mad Jack. Leiamos estes versos como ilustração: “O cabra é um lapidado canalha! / Canalha de índole, / canalha de estirpe... / um canalha de pedigree, eu diria. / Mas, sem dúvida, um canalha. O Jagunço Moita Brava não entende de ruas. / O mundo de Moita Brava não tem nome de rua... / Só tem livros, pintura, mentiras e safadezas.” “O Livreiro Audaz” vem de uma crônica do romancista Paulo Dantas, também jagunço, versando sobre a atividade livreira do escritor. Antes, o articulista Severino José, mais conhecido por ser doutor em cordel, escreveu um artigo luminoso, intitulado “Quem Tem Medo de Aristides Theodoro?”, referindo-se à sua cara de bravo, ao seu jeito agressivo de reagir às perguntas imbecis, às suas respostas espinafradas, o que constatam estas frases de seu artigo: “Áspero e aparentemente intratável, como o cacto de Manuel Bandeira. Mas isso não passa de uma máscara. Logo que vencemos este aspecto agressivo de sua personalidade, descobrimos que, por trás da carapaça rude, esconde-se um homem extremamente jovial, apaixonado e entusiasmado pela literatura”. “A falsa agressividade é uma defesa que adquiriu com o passar do tempo, face às perguntas estúpidas que lhe são dirigidas a toda hora e durante todo o dia, por transeuntes mal-educados que ousam interromper os seus agradáveis bate-papos sobre aquilo de que mais gosta, isto é, literatura”.
Entretanto, esse mesmo homem relaxa, como se estivesse no divã de um analista, ao encontrar-se com pessoas que, conforme ele afirma, “falam a mesma língua”, ou seja, falam de literatura ou de qualquer outro assunto, de forma democrática, sem a chatice cacete “dos donos da verdade” e dos “monopolizadores” de conversa, fazendo, dos diálogos, tristes e enjoativos “monólogos”. Esse mesmo homem sente-se “em sua casa”, rodeado de livros e muitos quadros, quando freqüenta locais como “O Alpharrabio – Livraria Espaço Cultura”, por ele considerado “A Universidade Livre do ABC Paulista”, um desses lugares que nos engrandecem, um desses ambientes que têm o condão de transformar o homem para melhor.”
Aristides Theodoro nasceu em Utinga, no cerne da velha Bahia, “uma pequena cabeça de porco”, como são chamados os lugarejos de pouca expressão, nos cafundós dos brasis.
Bem jovem, veio para São Paulo e igual a todo nordestino, somando a desvantagem da cor e da pobreza, enfrentou todos aqueles preconceitos por nós tão conhecidos, como se fosse um estrangeiro dentro da sua própria terra.
No começo a família aportou no bairro do Ipiranga, SP. Posteriormente, o pai adquiriu uma propriedade em Mauá, a provinciana cidade da porcelana. Aí foram jogadas as primeiras sementes da literatura, no solo fértil do rapazinho Aristides Theodoro. Sem energia elétrica, à luz de lamparina, lia todas as noites, até altas horas, para a mãe Don’Ana, mulher sem letras, “A Pérola”, de Steinbeck, “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupèry” e, sobretudo, a Bíblia, carro chefe da casa, de pais protestantes. Ouvia os “causos” fantásticos, origens dos seus contos, narrados pelo pai, o rabugento Cosme Theodoro, falando de onça “montó” (mão torta), das presepadas de valentões, estórias de tabaréus em dias de feira, fantasmas, almas penadas, lobisomem, mula-sem-cabeça, secas e humilhações.
O jovem Aristides Theodoro não se contentava em ler e armazenar livros comprados com sacrifício, às expensas do pão-de-cada-dia. Queria ver o resultado de suas imaginações mirabolantes estampado nas letrinhas miúdas da imprensa. E para perseguir isso teve de lutar, engolir muito sapo. De tanto perseguir o intento, conseguiu publicar pela primeira vez um poema de cunho religioso, no tablóide “O Colibri”, por ele ajudado a fundar, nos primórdios dos anos sessenta. Desde então, passa a escrever sobre autores e livros na Gazeta de Santo André e esporadicamente ocupa espaço numa coluna chamada “A Baronesa”, explorada pelo amigo Castelo Hanssen, no jornal “A Vanguarda” e, mais tarde, em “A Tribuna Popular”, ambas de Santo André.
Desse ponto, partiu para as publicações poéticas nas antologias do Colégio Brasileiro de Poetas, de Mauá, do qual é sócio fundador e nos “Cadernos Negros” do Grupo Quilomboje – SP. Resenha livros para a Voz de Mauá e para o Jornal da Manhã, SP. Aristides publicou os seguintes livros: “Dandaluanda”, 1982; “O Poeta Passeia por São Paulo num Sábado à Tarde”, 1991; “Poeminha sem Realismo para Ruth”, 1993; “Não Contribuirei com um só Óbulo para a Construção do Novo Mundo” (Edição resumidíssima), 1997: “Como Preparar Um Diabo Velho
Iracema M. Régis
Jornal da Manhã, 27/11/97
Quem Tem Medo de Aristides Theodoro
Resistindo, como mandacaru, a nossa cultura encontra, nesse nordestino descendente de caetés, um divulgador entusiasta, que vem comprando e vendendo o que há de melhor na área literária, tanto nacional como universal. Sua banca é um verdadeiro oásis, onde se abeberam os sedentos de saber. É também um ponto de encontro, coito de intelectuais, que teimam ainda em fazer cultura quando, a maioria das pessoas está mais preocupada com letras de câmbio e outras, mal consegue sobreviver nesta selva inóspita. É ali, que o felino romancista Paulo Dantas, com seu perfil de gato no cio, de vez em quando, aparece, rebocando, de contrapeso, esguias etíopes e mulatas, dando suas sonoras e escandalosas gaitadas e contando inúmeras lorotas, naquele seu jeitão despreocupado de jagunço manso. É por ali, que desliza o comprido e empertigado Norlândio Meireles, pontificando falação sobre Castro Alves, sua permanente paixão. Um jovem petista exalta a participação de Lula e sai cambaleando, arrastando o seu par de muletas, certo de ter achado o remédio universal para os males da humanidade. Um velho republicano espanhol, com sua cabeleira branca, de vez em quando recita de cor poemas inteiros de Garcia Lorca e de outros poetas latinos, demonstrando assim, que o povo, como queria Oswald de Andrade, também precisa comer “os biscoitos finos” do conhecimento humano. Zacarias José, misto de agitador e falso poeta popular, carrega nas costas, solitariamente, a cultura nordestina, tentando entusiasmar a juventude na divulgação do cordel e da xilogravura. Estudantes, como já dissemos, também vêm beber nessa cacimba, que jorra ininterruptamente, como os cafés do passado, na divulgação da autêntica cultura em nossa terra. Nestes tempos bicudos, de permanente crise, conhecê-la e freqüentá-la constituem uma necessidade e obrigação, pois não é todo dia que encontramos pessoas disponíveis a comungar democraticamente o prazer da leitura e da boa prosa, em iminência de extinção.
Em homenagem aos 60 anos de Aristides Theodoro, completados no dia 27 deste mês.
Severino José é cordelista,
xilógrafo, conferencista e agitador cultural.
A Voz de Mauá, 27/11/97
Roque Luzzi
(Informativo Geral)
Folha do ABC
participe da Comunidade literária Estórias de CURIAPEBA
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40605150
Veja o Blog com algumas das Estórias de CURIAPEBA
http://estoriasdecuriapeba.blogspot.com/
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